Bioeletricidade: momento crucial
O atual cenário do setor elétrico brasileiro, apresentando baixos níveis nos reservatórios das usinas hidrelétricas, gerando a plena carga com as térmicas caras e poluentes e no início do período seco, são sinais concretos que as perspectivas futuras para a bioeletricidade da biomassa da cana são bastante favoráveis.
Diante disto, já há confirmações públicas do Presidente da EPE- Empresa de Planejamento Energético, afirmando que o próximo leilão A-5, a ser realizado em setembro de 2014, será uma grande oportunidade para os projetos de biomassa da cana, pois a competição será restrita entre as térmicas, e a biomassa é mais competitiva que o carvão e o gás natural.
Nessas condições, estão caracterizadas as necessidades que qualquer investidor deseja para viabilizar seu projeto, o preço remunerador e um contrato de longo prazo que garante o retorno necessário, viabilizando o seu “payback” e o lucro.
Ora, se esse é o cenário futuro para a bioeletricidade, por que o título deste artigo é “Bioeletricidade: momento crucial”, quando deveria ser, por exemplo, Bioeletricidade em momento auspicioso?
Infelizmente, para o setor sucroenergético, o momento é crucial mesmo, pois os responsáveis pelo atual governo ainda não entenderam que a bioeletricidade do bagaço e palha é um produto que não persiste sem produção de cana e etanol, pelo menos, e a sinergia existente entre eles precisa que o setor se viabilize no conjunto.
O atual cenário do etanol e da cana é muito ruim, com raras exceções. Unidades produtoras com geração de bioeletricidade encontram-se em maior número nessas exceções, mas a maior parte do setor sucroenergético enfrenta sérias dificuldades econômicas e financeiras.
Por esse motivo, a oportunidade de investir na bioeletricidade esbarra nessas dificuldades que inviabilizam a capacidade de alavancar recursos para fazer o investimento. Podemos raciocinar, nessa linha, que não podemos perder essa oportunidade. A solução pode ser procurar um investidor terceiro, para viabilizarmos uma parceria na construção dessa térmica.
Certamente, a primeira preocupação desse parceiro vai ser com a garantia de suprimento do combustível bagaço e na atual situação do setor essa garantia pode estar muito fragilizada em muitas unidades produtoras. Isto mostra que, lamentavelmente, depois de 6 anos, enfrentando adversidades, o setor entrou num ciclo negativo de difícil solução.
Em termos estruturais, não resta dúvida que o setor tem uma luz no fim do túnel, pois uma tonelada de cana, considerando caldo, palha e bagaço, tem mais energia primária que um barril de petróleo. Porém, em termos de energias secundárias, produzimos mais utilizando o petróleo do que uma tonelada de cana.
Para poder transformar esse potencial em realidade, as instituições representativas do setor precisam debater o futuro estratégico, concentrar e unificar os seus focos na elaboração de um trabalho competente e irrefutável das externalidades positivas do setor sucroenergético e buscar, prioritariamente, justificar a recuperação da incidência da Cide na gasolina. Estamos percebendo alguns equívocos nas alegações da necessidade de se aumentar os preços da gasolina para equipará-los aos preços internacionais e, com isso, resolver os problemas do setor e da Petrobras.
Na realidade, há uma diferença fundamental entre aumentar o preço da gasolina, diretamente, e reajustar o seu preço em razão da volta da incidência da Cide para esse combustível. As dificuldades do setor se iniciaram com a retirada gradativa da incidência da Cide na gasolina, pois com essa medida viabilizou-se o aumento da gasolina A, mantendo congelado o preço da gasolina C, com etanol anidro, para o consumidor. A Petrobras recebia a correção do preço na gasolina A e a usina não tinha aumento, pois a gasolina C, ao consumidor, não era reajustada. Essa situação perdurou até a retirada total da incidência da Cide.
Essa medida, aos poucos, foi mudando a relação de preços entre a gasolina e o etanol hidratado, fazendo com que o proprietário de carro flex fosse, gradativamente, passando de consumidor de etanol hidratado para o consumo de gasolina. Esse comportamento resultou no aumento da demanda de gasolina e, por consequência, aumentou a necessidade de importar cada vez mais. A maior procura por gasolina, no mercado internacional, provocou o aumento do seu preço e, com isso, a operação de importação se tornou mais danosa para a Petrobras.
O aumento do prejuízo da Petrobras se deu em decorrência do aumento do seu volume de importação, numa operação que já era gravosa. O que estamos querendo mostrar é que uma coisa é o aumento direto no preço da gasolina para a Petrobras poder cobrir o seu prejuízo atual, outra coisa é voltar a incidência da Cide e, com isso, reajustar o preço da gasolina.
Com essa correção, volta a vantagem de consumir o etanol hidratado e o consumidor do carro flex retoma o uso do etanol hidratado e, consequentemente, ocorre a redução na demanda da gasolina. Nesse cenário, a Petrobras diminui o prejuízo pela redução da importação da gasolina.
O pedido de aumento do preço da gasolina, simplesmente, para equiparação com os preços internacionais, pode significar um risco muito grande para o setor, pois essa relação dos preços pode mudar com base nas variações cambiais e com a variação dos preços internacionais do barril do petróleo. Já a incidência da Cide significa viabilizar a competitividade do etanol renovável, limpo e produzido no País, em função de suas externalidades positivas em relação ao combustível fóssil, finito e importado.
Esse trabalho de identificação das externalidades também deve servir para viabilizar os projetos de bioeletricidade nos leilões, por meio dos preços relativos. Essa condição colocaria, prioritariamente, o suprimento de energia com base na competência de cada fonte para atender a modicidade tarifária diretamente aos consumidores.
Outro ponto importante, é a necessidade de melhorar a competitividade energética entre os combustíveis, reduzindo a diferença hoje existente entre gasolina e etanol. Desde a criação do Proálcool, em 1975, assistimos, simplesmente, à adaptação dos motores a gasolina para o uso do etanol, sabidamente combustíveis com especificações e desempenhos diferentes. Existem informações da existência de novas tecnologias de motores capazes de aproximar a competitividade de rendimento entre os dois tipos de combustíveis, medida fundamental para viabilizar o etanol.
O aproveitamento do bagaço para a geração da bioeletricidade, o desenvolvimento da tecnologia do etanol de segunda geração e as perspectivas de produção de outros produtos, que pode provocar uma mudança no valor relativo entre fibra e sacarose na cana, sugere reflexões sobre o futuro das variedades de cana a serem cultivadas, ou seja cana sacarose com mais açúcar ou cana energia, com mais fibra.
A verdade é que o setor não pode continuar estagnado com a atual produtividade agrícola, quando outras culturas têm apresentado contínuos ganhos de produtividade.
Paralelamente, o setor industrial e a geração de bioeletricidade precisam apresentar ganhos de eficiência, redução dos custos fixos com extensão da produção/ geração por períodos cada vez maiores, até chegar a produções anuais.
Essas me parecem ser as condições necessárias e suficientes para podermos deixar de continuar vivenciando momentos cruciais diante das oportunidades, transformando-os em momentos auspiciosos que, para a energia, devem ser, sempre, só oportunidades a todo e qualquer momento.
Onório Kitayama é consultor da Nascon Agroenergia para o CANAL-JORNAL DA BIOENERGIA