Por: Orlando Merluzzi
A descarbonização na atividade econômica está entre os desafios mais urgentes deste século, e o sistema bioenergético surge como peça-chave no Brasil para viabilizar uma transição justa e responsável. Embora o setor de transportes seja apontado como vilão das emissões de gases de efeito estufa (GEE), estudos recentes mostram que o problema é complexo e envolve uma variedade de setores e atores.
No Brasil, o setor de mobilidade e transportes é responsável por 16% das emissões de GEE, conforme o relatório da consultoria KPMG. Embora o índice não pareça elevado, essas emissões apresentaram a maior taxa de crescimento – 53% em quase duas décadas – em números absolutos de gases e partículas, entre os demais atores da atividade econômica.
Considerando as características e a dimensão da nossa economia, a utilização de bioenergia e de combustíveis sustentáveis com baixas emissões torna-se crucial para a descarbonização do meio ambiente, com impactos positivos na geração de empregos, renda e atração de investimentos.
Excluir a rota tecnológica dos veículos movidos a combustíveis fósseis é um erro estratégico e uma armadilha em que o país não pode cair, assim como acreditar que o simples banimento de motores a combustão resolverá a crise climática. O impacto de tais medidas, embora relevante, é apenas uma fração da solução. Para enfrentar o problema, é preciso implementar um conjunto de ações integradas e eficazes, acompanhadas de políticas públicas responsáveis.
O Brasil se destaca como potencial protagonista global, detentor de enorme leque de alternativas energéticas. Etanol, bioenergia, biogás, biometano, biodiesel, hidrogênio verde e fontes renováveis, como hidráulica, eólica e solar, estão à disposição para consolidar a nossa matriz energética como a mais sustentável do planeta e assim continuar por muitas décadas. Não podemos perder essa janela de oportunidade. Grandes potências globais dependem de matriz energética suja, de origem fóssil, para alimentar a tecnologia dos seus veículos elétricos.
Com décadas de experiência no uso do etanol, pujante setor bioenergético e importante parque industrial, o Brasil desenvolveu soluções eficazes para a descarbonização automotiva. O cenário é propício e envolve planos substanciais de investimentos anunciados em rotas de bioeletrificação, compromissos de governo, amplo apoio do Congresso Nacional à agenda da mobilidade de baixo carbono, além de consenso científico e técnico para monitorar as emissões “do berço ao túmulo”, compreendendo toda a cadeia de valor.
O setor sucroenergético tem papel fundamental na economia e no processo da descarbonização não apenas pela produção de biocombustíveis, mas também pelo aproveitamento dos resíduos e captura de carbono, que o conduz no caminho da economia circular.
O mercado de carbono é outro fator decisivo, e nunca foi tão urgente quanto agora a criação de um sistema que incentive o uso de bioprodutos, permitindo que eles se tornem competitivos frente às alternativas fósseis. A eletrificação será insuficiente para descarbonizar a frota de veículos do país.
A substituição completa de motores a combustão levará décadas, e o impacto socioeconômico de uma transição abrupta e irresponsável seria devastador. Assim, devemos adotar soluções práticas e convergentes com nossa agenda de país, como utilização de etanol e híbridos flex para veículos leves e o biodiesel e biometano para a frota de pesados, ganhando tempo enquanto as novas tecnologias se consolidam.
Deve-se pensar a transição energética de forma estratégica e integrada, com a bioeconomia no centro do processo. Incentivar os biocombustíveis e bioprodutos, criar políticas públicas e um ambiente regulatório que estimule a produção sustentável, assim como a conscientização de legisladores e formadores de opinião na sociedade. Todas as rotas tecnológicas são parte da solução, e o país já tem os ingredientes para liderar a corrida pela descarbonização, mas precisa agir, agora, para garantir que essa liderança se concretize.
Orlando Merluzzi
Gestor do Acordo de Cooperação Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil (MBCB)
Artigo publicado na Revista Opiniões